Reajustes tarifários e bandeiras tarifárias, essas palavras causam espanto em qualquer consumidor de energia elétrica no país. Você gestor(a), já deve ter se perguntado qual o montante adicional da bandeira atual na fatura de energia da sua empresa. Ou até mesmo se existe uma opção de contratação de energia que não passe por reajustes, e que possa reduzir cerca de 27% no valor da fatura de energia. Isso é possível através do mercado livre de energia. Neste momento você pode estar se perguntando: mas o mercado livre de energia não é apenas para grandes consumidores? A resposta é sim… por enquanto. Mas isso está prestes a mudar com a PL 414/2021: o projeto de lei que permite a abertura total do mercado livre de energia para todos os consumidores. Leia mais a seguir.
Portabilidade da conta de energia
O PL 414/2021 é um projeto de lei (atualmente na Câmara dos Deputados) que tem como objetivo a “portabilidade da conta de luz”. Também chamado por projeto de “abertura total de mercado de energia”, o PLL 414/2021 oferece a possibilidade de que todos os consumidores possam migrar para o ACL (Ambiente de Contratação Livre). Temos um artigo explicando sobre o mercado livre, caso queira se informar melhor sobre o assunto clique aqui.
Isso significa que, entre outras facilidades, o consumidor pode comprar energia elétrica diretamente do gerador ou comercializador de energia elétrica, por isso a palavra “portabilidade” é utilizada para representar esse avanço na regulamentação. A ideia é que você possa realizar um plano de energia escolhendo o seu fornecedor, algo bem parecido com o que já fazemos com os planos de telefonia móvel.
O mercado livre de energia traz uma série de “possibilidades” para o consumidor final, por exemplo, a possibilidade de negociar as condições contratuais específicas. Além disso, o ambiente de contratação livre também é visto como uma alternativa às tarifas reguladas pela ANEEL e das variações das bandeiras tarifárias ao longo do ano.
Segundo a ABRACEEL, em Março de 2021 as empresas no Mercado Livre tiveram uma economia de 41% na energia elétrica em relação aos consumidores cativos.
O projeto de lei 414 não é novo, e é fruto de uma série de iniciativas de modernização de processos regulatórios iniciados no meio da década de 90, sendo a abertura de mercado um dos principais itens na pauta. O modelo que permite que os consumidores finais escolham seu provedor de energia elétrica (conhecido internacionalmente como retail wheeling) já pode ser encontrado em vários países pelo mundo como Portugal, Coreia do Sul, Japão e Alemanha.
Fonte: ABRACEEL
Abertura do Mercado Livre, como vai funcionar na prática?
Na prática, a abertura total do mercado livre de energia se refere à redução dos requisitos mínimos para fazer a transição entre o mercado cativo de energia e o mercado livre de energia.
Como já falamos aqui no Blog da CUBi anteriormente, para fazer a migração para o mercado livre, o consumidor do mercado cativo deve ter em sua contratação de energia uma demanda contratada mínima.
Hoje, apenas os consumidores com 1000 kW de demanda contratada podem ser totalmente livres (podendo comprar energia de qualquer fonte), e com 500 kW de demanda contratada sua empresa pode se tornar um cliente especial (podendo comprar energia de fontes renováveis). Existem também outras formas de pular para dentro desse mercado sem ter a demanda mínima. Em linhas gerais, isso pode acontecer quando se formam grupos de unidades consumidoras para somar a demanda mínima. Isso faz com que todas UCs migrem juntas, no jargão é chamado de “comunhão de cargas”. Na prática é um modelo bem desafiador de se gerenciar.
De qualquer forma, esse malabarismo regulatório deve acabar para uma parte das unidades consumidoras de alta e média tensão, pois a partir de 1º de Janeiro de 2023, todos os consumidores com demanda contratada mínima de 500 kW poderão ser totalmente livres.
Na verdade, a abertura de mercado já está acontecendo gradualmente através da redução da demanda contratada mínima que o consumidor cativo precisa ter para ter a possibilidade de r migrar para o mercado livre de energia.
O processo de abertura total do mercado, ou seja: abertura dos requisitos para que todos as unidades consumidoras possam migrar para o mercado livre de energia sem requisitos, irá se intensificar a partir de 2024, data prevista para abertura de mercado para todas as unidades consumidoras do grupo A, enquanto o ano de 2026 é a previsão para as unidades do grupo B.
Isso não significa que as unidades serão automaticamente migradas para o mercado livre e sim que serão consideradas consumidores potencialmente livres, ou seja, consumidores que podem, caso queiram, migrar para o mercado livre.
Impactos da abertura do mercado livre de energia
O impacto mais aguardado, sem dúvidas, é a redução do custo médio da conta de energia. O racional aqui é simples, o mercado livre causa uma “briga” pelo consumidor, estimula a concorrência e derruba os preços. Seria bom se fosse tão simples assim. O que acontece no mercado cativo hoje é como se o consumidor estivesse andando de bicicleta com aquelas rodinhas do lado para criança não cair, sabe?! Não tem tanto risco, mas também não dá pra manobrar muito bem. O mercado livre dá a autonomia para o consumidor andar de bicicleta sem rodinha. As possibilidades aumentam muito, dá pra fazer muita coisa legal. Mas também dá pra se “estabacar” no chão se você não souber o que está fazendo.
Na prática, o Mercado Livre encerra o monopólio sobre a venda de energia elétrica das distribuidoras. Na teoria, isso realmente vai aumentar a concorrência, com a tendência de redução nos preços finais. Mas nem tudo são flores, para ser bem sucedido no mercado livre você vai precisar mais do que apenas trocar de fornecedor de energia. O consumidor vai precisar fazer um planejamento energético que esteja de acordo com sua estratégia de compra e venda de energia. Também vai precisar se preparar para a volatilidade do mercado de curto prazo, caso sua estratégia inclua esse tipo de transação, além de outras complexidades que vem a reboque.

Por isso, é importante encarar a abertura do mercado de energia com o pé no chão. É fundamental saber quais são os trade offs entre o mercado cativo (que continuará existindo) e o mercado livre, para tomar uma decisão. Um não é necessariamente melhor do que o outro e para cada situação haverá uma escolha ideal diferente.
Existe uma pequena parcela que acredita que os preços terão efeito contrário, uma vez que, para realizar uma modificação nessa magnitude, os custos de operação e infraestrutura seriam divididos por todos os consumidores através de encargos e tributos na fatura de energia.
Elencando os possíveis impactos:
- Possível redução na conta de energia;
- Retirada das bandeiras tarifárias;
- Diminuição dos encargos setoriais;
- Imunidade aos reajustes tarifários;
- Previsibilidade de custos;
- Duas contas de energia (uma para geração e outra para distribuição).
Em geral, muitos poderão sair ganhando com essa medida: as empresas, indústrias e consumidores comuns terão mais liberdade no controle da sua tarifa de energia; as comercializadoras e gestoras verão o aumento significativo no seu mercado potencial; as geradoras terão mais clientes para fazer contratos de geração, e assim por diante.
Com a liberação do ambiente livre à todos os consumidores, o número de empresas buscando gestoras de energia para fazer a migração para o mercado livre e a gestão de energia será altíssimo. Dessa forma, é de grande importância a diferenciação da gestora de energia, aquele “fator uau” que nem todas possuem. Entre essas oportunidades de diferenciação está o monitoramento, fazendo com que a gestora não dependa apenas dos dados da CCEE. Além disso, uma plataforma de governança e gestão de energia pode auxiliar a criar alertas de eficiência energética bem como utilizar algoritmos de inteligência energética para diagnosticar oportunidades de economia relacionadas ao fator de potência, gestão do consumo, entre outros. Para saber mais veja nosso artigo sobre isso.

Lembrando que as distribuidoras continuarão como monopólios naturais, uma vez que não é viável (e quase impossível) garantir uma infraestrutura em que mais de uma distribuidora tenha postes e fios levando energia elétrica aos consumidores. O papel da distribuidora com essa abertura ficará ainda mais complexo, uma vez que ela será o canal de conexão entre consumidor e comercialização (algumas distribuidoras têm suas próprias comercializadoras e gestoras de energia).
Da mesma forma que ocorrerá com as gestoras e comercializadoras, as distribuidoras também deverão modernizar seu atendimento, principalmente aquelas que além de distribuidoras são gestoras e/ou comercializadoras, com o objetivo de suprir as necessidades de comunicação de todos os clientes, e infraestrutura para atender a demanda futura, gerando uma vantagem competitiva entre os concorrentes, de acordo com o aumento do mercado. Com a união de clientes grupo A e grupo B, a quantidade de dados agregados será enorme. A inteligência energética poderá ser um grande diferencial, com ferramentas como gestão de faturas de energia e algoritmos que façam automaticamente cálculos de oportunidades de economia identificadas através dos dados.
Atualmente a PL 414/2021 está sob responsabilidade da Câmara dos Deputados. O projeto não passou diretamente para votação no Senado, uma vez que foi determinada a criação de uma Comissão Especial para analisar o texto. Você pode acompanhar a tramitação clicando aqui.
Agora o que precisamos fazer é esperar os desdobramentos e acompanhar as decisões regulatórias do projeto de lei. Com sua aprovação, deveremos prestar atenção nos mínimos detalhes da nova legislação (sempre estamos atualizados em nossa newsletter!), de forma a aproveitar todas as oportunidades advindas da expansão do setor elétrico.