A gestão baseada em dados ou “data-driven management” é uma das ferramentas de gestão mais úteis no dia a dia dos profissionais que lidam com gestão de energia e grandes contas de energia. Tá bem, talvez essa primeira frase não foi o suficiente para te convencer, mas durante este artigo vou te apresentar a minha experiência pessoal com este tema e, principalmente, como eu enxergo isso impactando em mais de uma centena de clientes atendidos.
Em 7 anos no setor de gestão de energia já trabalhei lado a lado com muitos profissionais do setor. Seja em uma relação de cliente-fornecedor ou mesmo de minha própria equipe e mentores. Todas as pessoas que se destacaram tinham um comportamento em comum: elas entendiam o que significa ser orientado a dados e materializam isso com facilidade em ações práticas. Não me entenda mal, cada pessoa pode ter um conjunto de habilidades e comportamentos que farão ela super especial e única. O que estou provocando aqui é um exercício para entender padrões e como isso pode ajudar no seu desenvolvimento pessoal ou de sua equipe.
Fato é que tem muito conteúdo disponível internet afora sobre gestão baseada em dados. O que me incomoda é que há um vácuo quando o assunto é sair da teoria e colocar na prática. Ainda mais quando falamos sobre como colocar isso na prática especificamente na rotina da gestão de energia. Bom, meu objetivo aqui é que você saia dessa leitura munido de ferramentas para começar a implementar isso ainda hoje. Vem comigo!
Afinal, o que é essa tal de gestão baseada em dados?
A gestão baseada em dados é um conjunto de práticas que influencia pessoas a tomarem decisões baseado em análises objetivas e interpretação de dados ao invés de palpites ou da “intuição”. Parece simples né? Na verdade, a primeira vista parece bem óbvio e todo mundo vai sentir que já tem essas práticas no dia a dia. Basta abandonarmos o pensamento superficial para encontrar decisões importantes que foram tomadas por conta de um paradigma já estabelecido ou por conta de puro palpite.
Exemplos reais no universo de Gestão de Energia
Exemplos do mundo de gestão de energia não faltam. É comum ver equipes tomando uma decisão, por exemplo, de investir em um projeto de energia solar fotovoltaico sem antes compará-lo com outros projetos de investimento. Você pode dizer “ah mas o que estava querendo ali era a dimensão ambiental de um projeto desses”. Ótimo, também daria para medir o impacto ambiental potencial dos outros projetos e colocá-los numa régua única de priorização. “Ah, mas tem a questão da imagem e reputação que era a nossa prioridade”. Claro, vamos mensurar isso também, põe na conta! Se apertar muito todo mundo diz “Ah, no final das contas é o que a diretoria queria e ponto final.”. Não tem nada de errado em tomar uma decisão dessas sem considerar os dados. O que é errado é acreditar que ela foi tomada orientada por dados.
Outro sintoma que vem embrulhado de boas intenções é seguir a “melhor prática”. É ótimo conhecer uma referência sobre algum assunto e estudar historicamente como as decisões foram tomadas. Mas seguir a decisão sem antes avaliar o tema para o seu contexto em específico é a receita da gestão baseada na ausência de dados. Sempre será um caminho perigoso seguir a decisão de outras pessoas, equipes e empresas, mesmo que elas sejam super reconhecidas. De novo, nada de errado em optar por seguir a melhor prática. Só não pode colocar na conta da gestão baseada em dados.
Um último exemplo muito comum no dia a dia da galera de energia são as ações de eficiência energética. Na maior parte dos casos ações de eficiência são tratadas com dados precários desde o planejamento e priorização das ações até o acompanhamento de resultados. É muito comum aparecer um fornecedor na sua porta vendendo um chiller, compressor ou motor que vai consumir 20% menos. Você compra. E nunca mais ninguém fala sobre isso, não há nenhum acompanhamento para entender se realmente está consumindo menos, as medições que você tem são de circuitos que compartilham outras cargas, as medições que você faz com aquele alicate amperímetro são amostras pequenas demais para representar o funcionamento desses equipamentos complexos.
Mesmo assim, a maioria das pessoas que eu converso inicialmente tem a sensação de que é completamente orientada à decisões baseadas em dados. Mas como vimos aí em cima, não é bem assim. É o que eu chamo de data-driven assintomático, é aquele que se enxerga como data-driven mas não consegue colher nenhum benefício de uma organização que realmente toma decisões baseada em dados. Por isso vou tomar um caminho contrário aqui. O primeiro desafio é reconhecer e aceitar o problema. Por isso, ao invés de apontar como você poderia ser movido a dados na gestão de energia, vou demonstrar situações e comportamentos que demonstram quando uma pessoa, equipe ou organização não é data-driven. Se você não se encaixar em nenhum deles, tenho uma boa notícia: você já está bem avançado(a)!
Porque você não é data-driven na gestão de energia?
Os dados não são coletados e armazenados
Os dados são o petróleo do século XXI, disse o matemático britânico Clive Humby. A coleta, processamento e armazenamento de dados é o básico do básico. Não vale a pena olhar para outros aspectos se você não tiver resolvido (ou pelo menos encaminhado) essa ponta antes. Um caso comum de problema aqui é os dados serem coletados de forma desestruturada. A capacidade de orientar decisões por meio de dados é muito prejudicada pela prática de fazer campanhas de medição sem uma preocupação sobre a sazonalidade e relevância estatística dos dados, por exemplo.
Muita gente pensa que a solução deste ponto é implementar um sistema de coleta de dados automaticamente e isso resolverá tudo da noite para o dia. Depois de implementar centenas de sistemas posso dizer com tranquilidade que não é bem assim. O problema aqui não é essencialmente a coleta de dados manual. Já tive contato com incontáveis empresas que deslocavam um colaborador todos os dias para fazer a leitura dos medidores de energia nas portas de painel em uma folha de papel, e por algum tempo dava super certo. Eu mesmo já fui essa pessoa que anotava em uma prancheta 10 anos atrás e gastava 2 dias da semana para fazer só isso. É claro que existem sim efeitos colaterais dessa coleta de dados manual, como a confiabilidade baixa dos dados, alto consumo de tempo, risco ocupacional e muitos outros. Mas, se você for capacitado o suficiente, saberá qual tipo de análise pode ser feita com base em dados coletados manualmente.
O problema aqui está na manutenção disso. Ninguém fala sobre isso, mas vou te contar um segredo, tudo precisa de manutenção. Como vamos garantir a confiabilidade desses dados? Como garantiremos que não vamos perder esses dados armazenados? Como definimos quais dados precisam ser coletados? Como eu faço para coletar outras variáveis que não são diretamente de energia em kWh, como temperatura, pressão, vazão? Como vou ter acesso aos dados coletados uma semana atrás?
É por isso que, muitas vezes, mesmo depois de implementar um sistema de gestão de dados as pessoas continuam com os mesmos problemas de quando coletavam manualmente. Não confiam nos dados, os dados têm falhas de coleta, as vezes dados que precisam ser coletados não são, consomem um tempo enorme em entender as falhas e muitas vezes voltam a ir conferir os dados na porta do painel.
Por isso sempre defendo que a solução não está em uma ferramenta! De fato, uma pesquisa anual conduzida pelo NewVantage Partners em 2022 aponta repetidamente desde 2019 que o maior desafio para implementação de gestão orientada à dados é majoritariamente relacionada à pessoas e processos (92%) e apenas 8% das empresas indicam que o desafio é tecnológico. É possível ser data-driven e não ter sequer um sistema de coleta automatizado de dados. O que os sistemas fazem é facilitar esse caminho, mas isso é só uma parte da solução. Portanto, não dá pra dizer que somos data-driven só porque temos um sistema de coleta de dados implementado. Mostre seus processos para garantir a confiabilidade desses dados, para definir quais dados precisam ser coletados e planos de backup de dados. Aí sim, pode marcar este item como passado!
Você não tem acesso aos dados
Outra indicação de que você pode não estar no caminho de uma gestão baseada em dados é o fato de não estruturar a conexão entre diferentes fontes de dados. Por exemplo, existem dados de consumo energético em um lugar e os dados de vazão de uma bomba em outro. As implicações desse caso são perversas, a equipe ficará condenada a consumir horas e horas para desempenhar qualquer tipo de análise que envolva essas duas variáveis. Grandes empresas resolvem isso com o desenvolvimento de data lakes ou simplesmente requisitando acesso via API de diferentes fornecedores, o que facilita a integração dos dados.
O problema de acesso também pode aparecer quando os dados ficam armazenados em um servidor interno na organização. Neste caso ficam sem nenhuma conexão com ferramentas de análise de dados, com fornecedores que precisam de dados para entregar algum tipo de serviço contratado ou mesmo para outras ferramentas internas. Há muita preocupação com a segurança de dados, mas pouquíssima preocupação com a utilidade dos dados. Meu ponto não é que a preocupação com segurança é excessiva, e sim de que a preocupação com a utilidade dos dados é baixa demais.
Por último, outra manifestação deste problema é que as pessoas dentro da organização não têm acesso aos dados. Os dados são coletados, armazenados e as pessoas simplesmente não têm permissão de acesso para visualizar, analisar e gerar valor a partir daqueles dados. Um exemplo prático disso é quando vamos relacionar dados de consumo energético com produção. As equipes de manutenção raramente têm acesso a esses dados. Analogamente, quando conversamos com equipes de meio ambiente, dificilmente eles têm acesso à conta de energia e muito menos às medições de consumo da operação (mesmo que energia seja um dos principais contribuintes do impacto ambiental total de um produto ou serviço).
Ninguém te capacitou para analisar dados
Ter os dados e ter acesso aos dados é necessário, mas ainda não é suficiente. Dados soltos, sem nenhum contexto ou análise não valem muita coisa. Se você não foi treinado(a) para analisar esses dados e transformar isso em informação útil, é como se você tivesse uma Ferrari na garagem e não tivesse uma habilitação para tirar ela do lugar. A importância do capital humano não para aí. Depois de transformar em informação útil ainda tem a etapa de transformar informação em ação, agora sim, estamos falando de uma cultura organizacional de gestão baseada em dados, a Harvard Business Review tem um artigo bem interessante sobre o tema.
Outro ponto importante que sempre tenho contato é a expectativa de que a implementação de qualquer ferramenta de análise de dados em específico vai gerar valor por si. Ferramentas sempre permitirão com que uma empresa mude a forma de operar, mas dificilmente farão isso pela organização. As pessoas precisam se capacitar e assumir esse papel protagonista na mudança que querem implementar. Este artigo da Forbes pode ajudar muito a entender esse ponto.
Posso citar ainda o caso de pessoas que trabalham com energia e não tem sequer uma meta/indicador que acompanha relacionado à gestão de energia de sua operação. Existem duas opções neste caso: ou você não é responsável por gestão de energia ou você ainda precisa amadurecer as competências de análise de dados para encontrar indicadores importantes para acompanhar.
Para grandes empresas isso pode se traduzir também na distância enorme dos analistas de dados das áreas de negócio. E mesmo que você esteja em um ambiente de uma corporação enorme, a sua capacidade individual de análise de dados é fundamental para que consiga ser independente. Não estou falando aqui de técnicas super avançadas que conferem à esses analistas de dados super-poderes. Estou falando de coisas básicas, conceitos de estatística básica e coisas que você consegue resolver em planilhas de Excel/Google Sheets.
Se as pessoas não se sentirem confortáveis trabalhando com dados dificilmente contribuirão para uma estratégia de negócio orientada aos dados. Uma pesquisa da Qlik/Accenture revelou que apenas 21% dos trabalhadores estavam totalmente confiantes em suas habilidades de análise de dados, que podem ser definidas como a capacidade de ler, entender, questionar e trabalhar com dados. Embora os funcionários tenham cada vez mais dados na ponta dos dedos, 74% expressaram sentir-se sobrecarregados ou insatisfeitos ao trabalhar com dados. Sem um amplo treinamento e apoio, as pessoas terão dificuldade em aceitar algo que não entendem e acham intimidante
Seus dados estão ociosos
Se houve todo um esforço e a resposta para as perguntas anteriores foi “sim”, ainda existe um último caso que chega a doer no fundo do meu coração quando eu vejo. Este é o caso da organização que fez tudo ou quase tudo certo. Mas no final não tem ninguém usando aqueles dados. As pessoas não são estimuladas a desenvolver análises, não são cobradas para fundamentar suas decisões em dados, ou simplesmente não tem tempo para dedicar aos dados que elas já têm em mãos.
Neste caso o problema costuma ser muito mais estrutural e de governança da empresa. A chave para a sensibilização neste caso é simplesmente mostrar todo o orçamento que já foi investido em coletar os dados, gerir a acessibilidade dos dados e capacitar as pessoas. Isso tudo será desperdiçado se o nível estratégico não fizer a cultura de gestão baseada em dados permear a organização em forma de indicadores e valorização de pessoas.
Conclusão
A gestão baseada em dados é uma ferramenta que não pode faltar na caixa de ferramentas de qualquer profissional do setor de gestão de energia. O problema aqui pode ser dividido entre desafios organizacionais e desafios culturais. A coleta e gestão de acesso aos dados é claramente um desafio organizacional, já a parte de ociosidade dos dados e capacitação em análise de dados são desafios culturais que envolvem pessoas.
No blog da CUBi você vai encontrar muitos outros artigos sobre como implementar uma cultura organizacional com prevalência de decisões baseada em dados quanto conteúdos que orientam sobre análises de dados aplicadas ao setor de gestão de energia. Se você é um profissional do setor buscando se habilitar no tema, devore nosso blog!
Oi Ricardo ótima postagem, trabalho Iluminação Pública criei uma empresa para realizar Análise de Performance de Contratos de Iluminação e o seu post é perfeitamente o que vemos não só em Iluminação mas em vários outros setores….
Valeu pelo feedback Bruno!
Um abraço