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Como a cultura de testes pode revolucionar a forma com que você gere grandes contas de energia

A “cultura de testes” é muito utilizada em empresas de software, desenvolvimento de produtos e áreas de marketing. Se você pesquisar por esse termo vai encontrar as dez primeiras páginas de resultado focadas nessas três áreas. Aqui na CUBi ousamos em utilizar este conceito para auxiliar na gestão de grandes contas de energia. O resultado é surpreendente. Descobrimos que esse conceito, quando combinado à uma cultura de gestão baseada em dados, torna-se uma poderosa ferramenta de diagnóstico que economiza tempo, engaja pessoas e produz resultados rápidos.

Quem me conhece sabe que não sou muito fã dessa linguagem imprecisa e difusa que encontramos na maioria dos conteúdos, principalmente aqueles focados em gestão e negócio. Por isso, vamos lá, afinal o que é essa tal cultura de testes na prática? A cultura de testes se materializa no comportamento e capacidade de formular perguntas, planejar e implementar testes para obter uma resposta em curtíssimo prazo. Para que isso aconteça, o nível de gestão deve construir um ambiente seguro em que esses testes possam falhar e que a curiosidade, criatividade e o ceticismo sejam estimulados nas equipes. Essas são características e comportamentos que se você ver, pode apostar que aquela equipe ou organização tem uma cultura de testes implementada. Para saber mais sobre o conceito, recomendo a leitura desse artigo da Harvard Business Review.

Tá, mas o que isso pode me ajudar na gestão de energia de uma grande conta de energia, Ricardo?

Na gestão de energia a cultura de testes se materializa em testar hipóteses e implementar testes práticos. Vou dar alguns exemplos:

Quando você não tem medidores de rateio mas quer saber se alguma carga é relevante

Esses casos são muito comuns. A empresa não tem orçamento ou não tem como prioridade a medição de cargas específicas, mas tem uma medição em tempo real de energia na fábrica como um todo. O(a) responsável por energia quando quer saber a relevância média de determinadas cargas perante ao total formula hipóteses ou perguntas do tipo: a linha de extrusão “X” representa mais do que 20% da minha carga total. Ou ainda: os compressores do setor “Y” representam mais do que 10% da minha carga global. Depois de formuladas essas hipóteses é hora do teste. O(a) gestor(a) alinha com os responsáveis internos (muitas vezes o PCM ajuda muito aqui informando o intervalo de tempo e setores das paradas de manutenção) e consegue ter o resultado de consumo global excluindo uma carga em específico. O resultado é a terceira etapa e deve ser calculado, neste caso considerando a média de registro de demanda antes e durante o teste.

Note que a empresa economizou financeiramente (não teve que instalar submedição), engajou outras equipes (gestores(as) precisam se comunicar para levar o teste adiante), adicionou conhecimento e informação para a operação e capacitou as pessoas sobre o conceito. Tudo de uma vez só.

Quando uma ação de eficiência energética precisa ter seu resultado provado antes do investimento

Outro caso presente no dia a dia aqui é com a simplificação de ações de eficiência mais complexas. Imagine a situação em que você tem um projeto de automação industrial para o acionamento e desligamento da iluminação para evitar desperdício ou mesmo para o acionamento intercalado de máquinas para evitar multas de demanda de ultrapassagem. Claro que isso envolve um sistema com custo de implementação alto e com lógicas de funcionamento complexas. Mas ainda assim podemos simplificá-los para organizar um teste antes de empenhar o investimento nesses sistemas. No caso da iluminação é um caso recente. A gestora delegou a atividade de acionamento e desligamento para um colaborador e deu um cronograma para que seguisse rigorosamente. No caso do acionamento intercalado de máquinas o procedimento foi similar. 

Nestes casos a condução dos testes não deram apenas a resposta à hipótese principal que era relacionada a quantidade financeira em potencial que uma ação dessas poderia economizar, mas também forneceu dados para comparar esses sistemas à implementações mais simples. Nesses casos a automação foi comparada ao esforço de treinamento de pessoas, processos e rotinas internas. De um lado o custo de implementação e manutenção do sistema da automação e de outro o custo da hora das pessoas, de falhas no processo mais frequentes e etc. O teste deu uma robustez MUITO maior para o argumento desses dois gestores para justificar o investimento no sistema de automação.

Quando um sistema é muito caro

Analogamente ao exemplo anterior este caso é mais relacionado a investimentos mais robustos mesmo. Alguns meses atrás, um dos clientes estava fazendo um retrofit de motores. O investimento total passava da casa dos 7 milhões de reais e eles demonstraram insegurança sobre esse passo a ser dado para modernizar a fábrica. Propusemos então um teste. Já existia telemetria nos motores antigos, então para um teste não precisávamos de 40 motores instalados. Precisávamos de um ou dois. A hipótese aqui era de que os novos motores entregariam uma redução de 15% no consumo de energia conforme prometido pelo fabricante.

Esse é um teste mais robusto, vai envolver suprimentos, equipe elétrica e etc. Mas em dois meses o cliente colocou o teste de pé. No terceiro mês as respostas já estavam dadas. Apuramos 13% de economia entre o antes e o depois. Em paralelo testamos outra hipótese, os motores antigos se forem recondicionados podem entregar uma economia de 5%. Neste teste apuramos uma economia de exatamente 5%. Pois bem, no quarto mês o gestor dessa fábrica estava com absolutamente todos os dados em mãos para submeter aquele projeto de retrofit de 7 milhões com dados coletados e testes reais feitos. Notem a diferença dessa abordagem para a abordagem de levar os cálculos teóricos ou mesmo o cálculo do próprio fornecedor de motores. Tenho certeza que a diretoria por lá ficou impressionada com esse trabalho, até porque 5 meses depois ele foi promovido.

O que devemos tomar cuidado na hora de preparar um teste

Viés confirmacional

Este é um grande cuidado que precisamos estar sempre atentos. Não podemos usar a estrutura de testes apenas para confirmar o que já sabemos. Precisamos estar realmente abertos a testar uma hipótese e invalidar ela, se for o caso. 

No exemplo anterior, o gestor provavelmente queria muito fazer o retrofit dos motores, afinal de contas ele também era o gestor de manutenção. E motores velhos dão um trabalho absurdo para manter. Então, sim, ele tinha um resultado preferencial. Mas ele se colocou um uma posição de vulnerabilidade para provar com números que esse retrofit faria sentido do ponto de vista da conta de energia também (além da economia com manutenção).

Por isso, uma cultura de testes sempre vai te colocar numa posição em que vai desafiar seus nervos. Todo mundo tem um viés para um resultado ou para outro. O importante é deixar os dados do teste falarem.

Calibrar a complexidade do teste

Outro caso comum que vejo acontecendo é aumentarem demais a complexidade dos testes desnecessariamente. No caso da iluminação por exemplo. Já vi gente fazendo o mesmo teste numa fábrica não tão grande em que 7 operadores deveriam se comunicar por rádio em um horário específico e desligar o disjuntor, depois confirmar com a assinatura numa prancheta e etc… É muito complexo para o tamanho dessa economia. 

Em geral esse é meu conselho, permita que a complexidade do seu teste seja proporcional ao investimento ou à economia que deverá obter. Por exemplo, no caso dos motores era um investimento de 7 milhões com potencial de economia de 20 milhões, fazia sentido aumentar a complexidade do teste. No caso da iluminação é um projeto bem menor, precisamos ser o mais simples possível.

Na linguagem atual de negócios isso se chamaria MVP (Menor Produto Viável). A pergunta a ser respondida é: qual é o menor teste que posso fazer para que consiga uma resposta para minha hipótese? Aqui precisamos tomar o cuidado inverso também. Testes mal dimensionados não te darão resposta alguma.

Conclusão

Vimos que os testes podem ser ferramentas importantes para justificar projetos ou mesmo para levantar agendas e desafiar paradigmas. É uma ferramenta simples e que tem um alto impacto no dia a dia de uma empresa por sempre colocar algo diferente em pauta.

A cultura de testes também combate frontalmente a gestão baseada em opiniões ou palpites. O que no meio de negócios chamamos de HIPPO (em inglês Highest Paid Person’s Opinion) que traduzido para o português ficaria algo como “a opinião da pessoa mais bem paga”.

Portanto, se você quer se destacar no meio de energia, está aí uma dica de ouro para começar a praticar amanhã! Quais são os testes que você vai fazer? Quais são suas hipóteses? Queremos saber!

Ricardo Dias

Engenheiro ambiental e urbano pela UFABC e mestre em Sistemas Sustentáveis com ênfase em Energia pelo Rochester Institute of Technology. É co-fundador da CUBi e atualmente CEO.

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