A gestão de energia no setor público é um assunto com pouca atenção e baixíssimo nível de conteúdo disponível, tanto pela falta de estrutura da gestão pública em lidar com o tema, quanto pela falta de incentivo em relação à burocracia do regime público para solucionar esse tipo de desafio. Por isso, trouxemos um conteúdo completa sobre como contratar startups através do marco legal das startups.
Nos últimos anos o Marco Legal das Startups tem mudado esse cenário. Ao promover uma opção juridicamente viável para desburocratizar e acelerar a contratação de soluções inovadoras por entidades públicas, a Lei Complementar 182 tem demonstrado capacidade de transformar o modo com que a gestão pública lida com seu consumo de energia. Neste artigo você vai encontrar um passo a passo sobre como estruturar uma licitação desse tipo e como contratar startups através do marco legal das startups. Vem comigo!
Antes de detalhar como usar o Marco Legal da Startups é importante saber como a gestão de energia era (e ainda é) feita sem essa regulamentação e quais são os principais problemas. Se você é gestor ou gestora pública, provavelmente vai se identificar com o que vou contar.

Cerimônia de entrega de documentos necessários à uma
licitação convencional, na mesa do estagiário.
Como a gestão de energia em órgãos públicos é feita sem o Marco Legal de Startups?
Licitações
A primeira opção para a contratação de fornecedores no setor público é sempre uma licitação. Esses processos podem seguir algumas modalidades, dependendo do objeto do serviço entre outros itens detalhados na lei Nº 14.133, mas em geral uma licitação pode assumir a forma de um Pregão, uma Concorrência, um Leilão, um Diálogo Competitivo ou mesmo um Concurso.
O fato é que, quando um processo licitatório convencional é aberto, naturalmente empresas inovadoras, de pequeno porte e em crescimento são excluídas da qualificação. Usualmente quem faz a licitação nem repara nisso. Por exemplo, é comum que na etapa chamada de “habilitação econômico-financeira” seja exigido um índice de endividamento baixo, sendo que startups e empresas em crescimento notoriamente usam o endividamento como uma ferramenta de crescimento e desenvolvimento da tecnologia e expansão de negócios.
Outro ponto é que só quem já fez um processo licitatório sabe o trabalho que dá. Termo de referência para um lado, um monte de texto jurídico pra lá e pra cá, aprovação de um monte de gente que não sabe nada sobre o escopo sendo contratado, e por aí vai… Muitas vezes o processo de licitação é paralizado por um erro em algum detalhe, ainda mais quando é um processo de licitação de um serviço novo que não existia antes, aí o bixo pega! Toda essa complexidade que a burocracia oferece ao processo licitatório desincentiva que uma licitação seja aberta para um serviço pequeno ou mesmo para um teste.

Servidor público depois da licitação empacar no meio do processo.
Por isso, é comum que processos licitatórios comecem a juntar escopos dentro de uma mesma licitação produzindo verdadeiros “serviços Frankenstein`s”. Esses são serviços que nunca existiriam em conjunto, e só existem porque uma concorrência pedia tudo junto, de um fornecedor só. E aí acontece uma segunda movimentação super comum no mercado: grandes empresas buscando subcontratar fornecedores pequenos para complementar seu produto/serviço e conseguir oferecer o escopo completo que a licitação pede (isso por que muitos gestores não sabem como contratar startups através do marco legal das startups). Quando são duas empresas grandes juntando soluções, é possível ainda que se forme uma Sociedade Para fins Específicos (famosas SPEs).
Dispensa de Licitação
Uma outra possibilidade é a dispensa de licitação. Essa é uma abordagem possível para contratações abaixo de R$ 50.000,00 ou até R$ 100.000,00, caso a contratação seja feita por consórcio público ou autarquias qualificadas como agências executivas. A realidade é que a dispensa de licitação também deixa muitos administradores e servidores públicos mais vulneráveis para aprovar uma contratação desse tipo. Essa insegurança, aliada ao baixo valor e impossibilidade de replicação do escopo, faz esse tipo de contratação ser mais rara.

Assinaturas de contrato com dispensa de licitação.
Soluções Caseiras
Nas entidades públicas em que o consumo de energia elétrica é mais relevante, como é o caso de concessionárias públicas de saneamento, forma-se uma equipe interna para cuidar do tema, exatamente pela dificuldade de manter a continuidade de um serviço que precisa ser licitado de tempos em tempos. Imagine se houver algum probleminha na licitação de um sistema de gestão de energia em uma empresa pública de saneamento, por exemplo, ficar sem a coleta automatizada das faturas de energia de centenas de unidades consumidoras, poderia causar, potencialmente, um atraso no pagamento e possível corte generalizado de energia das estações de abastecimento de uma cidade. Certamente essa empresa vai receber uma ligação não muito amistosa do prefeito e do governador.
Esse exemplo pode ser pensado para hospitais públicos, universidades, iluminação pública, prédios públicos administrativos entre outros tipos de operações. A complexidade de lançamento de um edital de licitação, a baixa confiabilidade sobre o sucesso da contratação aliada à burocracia e falta de acesso a fornecedores com forte base tecnológica empurra quem realmente precisa de uma solução de gestão de energia, à construir “soluções caseiras”, por não saber como contratar startups através do marco legal das startups..
É o caso da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (EMBASA). Por lá eles desenvolveram um software de gestão de energia do zero! É uma empreitada homérica, mas que já rendeu resultados. Segundo informações reportadas pela própria EMBASA, mais de 55 milhões de reais foram economizados no ano de 2021 decorrente do uso e gestão através do software desenvolvido internamente, saiba mais nessa notícia aqui.
A questão sobre “soluções caseiras”, seja ela elegante e robusta como a desenvolvida pela EMBASA ou seja ela amadora e “capenga” como planilhas em excel distribuídas em um repositório local, é que ambas geram demandas por manutenção que, muitas vezes, entram em conflito com um bom uso de recursos públicos. Para não ficar no campo das ideias, vou dar um exemplo do dia a dia. Vamos supor que a uma empresa pública desenvolveu um software para coletar faturas automaticamente ou uma API para coletar as informações de faturas direto do sistema da distribuidora. Se a distribuidora muda a API ou o modo de acesso do portal de clientes ou modelo do PDF das faturas será necessário que uma equipe de conheça esse software interno execute alterações a nível de código para que o sistema continue a funcionar. De uma hora para outra, uma empresa pública que deveria cuidar da eficiência de suas operações, passa a precisar desenvolver código para processar faturas de energia sendo que existem empresas que fazem isso com um nível de eficiência muito maior (como contratar startups através do marco legal das startups). Notaram onde está o problema?

Servidor público fazendo manutenção no sistema de gestão de energia interno.
Como contratar startups através do marco legal das startups para fazer a gestão de energia em órgãos públicos
O Marco Legal das Startups é notadamente reconhecido por ter sido um instrumento fundamental para regulamentar formas de financiamento do crescimento de empresas de pequeno porte de base tecnológica, chamadas de “startups”. Mas pouco se fala que esse mesmo instrumento também regula formas de uso do poder de compra do setor público para facilitar o acesso dessas autarquias públicas à soluções inovadoras oferecidas pelas startups. Saiba como contratar startups através do marco legal das startups nos próximos tópicos.
Base Legal
A base legal para você começar a usar o Marco Legal das Startups pode ser toda encontrada na Lei Complementar 182, em geral, existem alguns critérios para que ela possa ser utilizada. Vem comigo que eu vou resumir pra você!
Critérios de contratação para a Startup
Quais empresas podem participar de licitações enquadradas na LC 182?
- As modalidades de regime podem ser: empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades empresárias, as sociedades cooperativas e as sociedades simples que cumprirem os critérios abaixo:
- Receita bruta de até R$ 16.000.000,00 no ano anterior ou de R$ 1.333.334,00 multiplicado pelo número de meses de atividade no ano, quando inferior a 12 (doze) meses;
- Com CNPJ com menos de 10 anos de idade;
- Que adotem o regime especial Inova Simples ou que em seu ato constitutivo exista a declaração de utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços inovadores.
Critérios de contratação para o órgão público
A quem se aplica a LC 182?
- Órgãos e entidades da administração pública direta, autárquica e fundacional de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
- As empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias devem estudar os termos do regulamento interno de licitações e contratações para que não existam conflitos com a LC 182. No caso dessas empresas, os limites de valores de contratação também poderão ser definidos no regulamento interno, desconsiderando os limites definidos na LC 182.
Critérios de contratação para o escopo
Quais são as diferenças para a definição do que será contratado?
- Ao contrário do modelo atual em que uma licitação descreve mais detalhadamente quanto possível as solução e as entregas, a delimitação do escopo da licitação usando a LC 182 poderá restringir-se à indicação do problema a ser resolvido e dos resultados esperados pela administração pública e caberá aos licitantes propor diferentes meios para a resolução do problema;
- Ou seja, ao invés de abrir uma licitação especificando cada função de um sistema de gestão de energia, por exemplo: “um sistema que conte com um robô de coleta e processamento de faturas para as distribuidoras de energia CEMIG, Energisa e Light.”. O edital vai relatar o problema enfrentado e indicadores a serem atingidos, do tipo: “[…] o problema é definido com a alta carga de trabalho manual para coleta das faturas de todas as 234 unidades vinculadas ao órgão estatal e pode ser medido pelo percentual de multas por atraso pagas e pelas horas mensais de servidores públicos dedicadas à tarefa manual de coleta e digitação de faturas, sendo que o sucesso é definido pela redução de 80% de pagamento de multas e redução de 99% das horas de servidores públicos investidas em coleta e processamento de faturas de energia.” Neste caso, se uma startup quiser usar inteligência artificial ou um algoritmo convencional para resolver este problema, fica a critério da startup proponente.
Quais são as diferenças para a definição do que será contratado?
- Será necessário compor um comitê de 3 pessoas, sendo que uma deve ser servidora pública do órgão para o qual o serviço está sendo contratado e outra pessoa obrigatoriamente um professor(a) de instituição pública de ensino superior com conhecimento no assunto.
- Cinco critérios devem necessariamente ser avaliados, sendo que só o quarto e quinto critérios devem avaliar questões financeiras:
- I – o potencial de resolução do problema pela solução proposta e, se for o caso, da provável economia para a administração pública;
- II – o grau de desenvolvimento da solução proposta;
- III – a viabilidade e a maturidade do modelo de negócio da solução;
- IV – a viabilidade econômica da proposta, considerados os recursos financeiros disponíveis para a celebração dos contratos; e
- V – a demonstração comparativa de custo e benefício da proposta em relação às opções funcionalmente equivalentes.
- Um ponto diferente aqui também é que não há necessidade de ter no mínimo três empresas licitantes para a tomada de preços.
O que acontece depois da contratação
Depois da seleção de uma ou mais soluções, a administração pública poderá firmar o chamado Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI) que tem prazo definido e fixo de 12 meses prorrogável por mais 12 meses. O valor total do contrato deve ser de R$ 1.600.000,00. Ao final da vigência do Contrato Público para Solução Inovadora, a administração pública poderá contratar a Startup, sem necessidade de licitação, por um período de 24 meses, prorrogável por um período de mais 24 meses considerando o limite de orçamento de R$ 8.000.000,00 (cinco vezes o máximo do CPSI).
Como a LC 182 protege o órgão público para não levar um calote das startups?
A LC 182 permite a contratação tanto de soluções já desenvolvidas e provadas quanto de soluções que estão em desenvolvimento, em teste ou que seriam desenvolvidas em razão do contrato. É importante que o servidor público tenha consciência do nível de risco diferente entre essas alternativas. É evidente que contratar algo que ainda necessita de desenvolvimento exige uma tolerância maior ao risco de que o escopo não seja entregue. De todo modo, a LC 182 prevê alguns dispositivos de proteção como:
- Nas hipóteses de comprovada exposição ao risco tecnológico de desenvolvimento de algo novo, é obrigatório que o pagamento seja feito de forma proporcional aos trabalhos executados;
- È possível indexar uma remuneração variável de acordo com metas contratuais que protege parte do orçamento em caso do fracasso na entrega do escopo.
Exemplos de uso do marco legal das startups para diferentes autarquias:
- Prefeitura: Este é um exemplo de termo de referência da prefeitura de Porto Alegre buscando soluções para o problema da falta de transparência na avaliação de docentes da rede municipal de ensino.
- Estado: Este é um edital de licitação do governo do Estado de Minas Gerais que lista diversos desafios, como o aumento da eficiência no processo de compras.
- Empresa Estatal: Este é o termo de referência da COMPESA utilizando o Marco Legal das Startups para contratação de provas de conceito
Aqui na CUBi estamos acostumados a participar dessa modalidade de contratação! O Marco Legal das Startups chegou em 2021 para flexibilizar os meios de contratação e aumentar o acesso das autarquias públicas à soluções inovadoras de base tecnológica. Pouco a pouco esse ambiente regulatório favorável pode transformar a maneira como gestores públicos enxergam sua capacidade de compra não apenas para solucionar um desafio real, mas também como um poder de transformação do ecossistema de inovação ao seu redor.
Esperamos que este conteúdo ajude não apenas os gestores públicos de energia, mas também outras verticais que possam disseminar o uso dessa poderosa ferramenta regulatória com outras startups e govtechs!
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Bônus: Entrevista com Oswaldo Garcia, Gerente do Departamento de Inovação da COPEL (Companhia Paranaense de Energia)
Para aprofundar mais no tema, nada melhor do que bater um papo com quem já conduziu um processo inteiro de contratação através do Marco Legal das Startups do início ao fim. Veja a seguir na íntegra um papo rápido com Oswaldo Garcia, Gerente de Inovação da COPEL.
Ricardo: Se você pudesse dar três dicas para um gestor público que quer abrir uma licitação usando o marco legal de startups, quais seriam?
Oswaldo: Atualmente já é possível observar algumas chamadas públicas que se basearam no Marco Legal. Observar, em conjunto com o jurídico ou da área de licitações, as diferenças e flexibilidades que o Marco Legal permite. A chamada pode ser menos exigente com relação às documentações que devem ser apresentadas. Outro ponto relevante é a governança: estabelecimento da banca de avaliação, critérios claros de seleção e forma de divulgação dos resultados (aqui vale observar editais já publicados). O pagamento deve ser agilizado ou facilitado (30 dias normais das empresas públicas não é adequado).
Ricardo: Na sua opinião, qual foi o principal benefício entre uma contratação convencional via licitação e a opção usando o marco legal das startups?
Oswaldo: A flexibilidade de algumas exigências, a agilidade no processo e, principalmente, a abertura da possibilidade de contratação futura por dispensa (conforme estabelecido no Marco Legal). Essa última viabiliza pequenos testes e comparações antes de iniciar uma grande contratação (faça rápido, erre rápido).
Ricardo: Com base na sua experiência, quais foram os três erros que você viu acontecer no processo e agora, com mais experiência, consegue evitar?
Oswaldo: Evidenciar às startups internacionais o peso tributário brasileiro: Percebeu-se que a tributação dos serviços de empresas estrangeiras no Brasil pode ser muito pesado. O seu cálculo também não é simples de se compreender, mesmo para os próprios brasileiros. Mesmo evidenciando a lista de tributações, gerou dúvidas e erros de cálculos nos orçamentos das startups. Minimizamos o impacto evidenciando os tributos aplicados às estrangeiras já no edital, mas não sendo suficiente, a melhoria é disponibilizar planilha com o cálculo dos tributos para que os empreendedores vejam os valores reais que receberiam.