Nos últimos meses o acionamento da bandeira vermelha patamar 2 e mais recentemente a criação da bandeira de escassez hídrica deixou os gestores de energia em um clima de alerta. A escalada dos preços por si só já coloca forte incentivo a economia de energia, ainda assim, dois programas que bonificam a economia de energia foram criados pelo Ministério de Minas e Energia. Neste artigo vamos contar tudo o que você precisa saber na prática para receber o bônus na fatura por ter economizado energia.

Tudo pronto? Vamos lá! Existem dois programas diferentes e direcionados a mercados diferentes. Vamos falar sobre eles separadamente, são:
Consumo energia no mercado livre de energia (ACL)
Consumo energia no mercado cativo de energia (consumidores de alta e baixa tensão que compram energia da distribuidora)
Consumo energia no mercado cativo de energia (consumidores de alta e baixa tensão que compram energia da distribuidora)
Vamos falar primeiro do programa direcionado ao mercado regulado para o grupo A e B (resolução 2 de 31 de Agosto de 2021, veja na íntegra) que foi denominado de Programa de Incentivo à Redução Voluntária do Consumo de Energia Elétrica para unidades consumidoras do Sistema Interligado Nacional. Se você não contrata energia no mercado livre ou se você é um consumidor de baixa tensão, este é o programa que se aplica no seu caso! As exceções aqui ficam para as unidades que recebem energia em média e alta tensão nos segmentos de iluminação pública, poder público e [autoprodução para] consumo próprio. Outro grupo de unidades consumidoras que não podem se beneficiar deste programa são as unidades ligadas em qualquer modalidade de geração distribuída (resolução 482 de 17 de Abril de 2012) e outras que não estão conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) [porque choras Roraima?].
Bom, você não se enquadrou em nenhuma dessas exceções? Ótimo, você nem precisa se cadastrar em nenhum lugar, automaticamente a distribuidora já fará a apuração de todos os consumidores que preenchem os requisitos e estão fora das exceções! Então vamos agora detalhar sobre o modo pelo qual esse bônus será calculado e comunicado pelas distribuidoras. A apuração é quadrimestral e o primeiro período compreende os ciclos de faturamento entre Setembro e Dezembro de 2021 que será comparado com o mesmo período de faturamento do ano anterior. Se ao comparar o consumo total desses períodos e em 2021 a unidade consumidora apresentar uma economia igual ou maior que 10%, bingo! Você vai receber um bônus na forma de desconto de R$ 50,00 para cada 100 kWh que economizou. Mas atenção, esse desconto é limitado a 20% de economia, então se você economizar 30% ou 20% o bônus a ser descontado na fatura de Janeiro 2022 será o mesmo, equivalente a 20%. Vamos para um caso prático?
Exemplo de bônus de economia de energia
Suponha que uma unidade consumidora totalizou um consumo de 100.000,00 kWh entre Setembro e Dezembro de 2020. Em 2021 para ser elegível ao bônus, precisa economizar no mínimo 10%, portanto deve registrar no máximo 90.000,00 kWh pela economia de 10.000,00 kWh essa unidade consumidora receberia um desconto na fatura de Janeiro de 2022 de R$ 50,00 para cada 100 kWh economizados, portanto, receberia R$ 5.000,00 de desconto. Se a mesma unidade consumidora economizar 24% em relação ao consumo de 2020 ela terá ultrapassado o limite superior do bônus. Por isso só poderá receber o bônus em relação a no máximo 20% que seria de R$ 10.000,00. Na prática o cálculo é um pouco mais complicado que isso pois precisa ser feito de forma a considerar o consumo diário de cada mês para que não haja diferenças entre períodos com número de dias diferentes, mas o que importa aqui é entender o conceito. O cálculo exato eu vou deixar uma super planilha pra vocês!
Preparamos uma planilha bem prática e simples pra você poder se planejar e acompanhar o programa de incentivo a economia de energia, beleza? Clica aqui em baixo que já te dará acesso à planilha!

Vale lembrar que as distribuidoras deverão comunicar de forma clara e consistente nas faturas de energia caso a unidade consumidora que você gerencia está dentro ou fora da meta mensal e acumulada para se qualificar para o desconto.
Depois de entender como o bônus é calculado, vale a pena refletir um pouco sobre o que isso significa. O que está acontecendo é que os consumidores, durante esses quatro meses, têm a opção de serem pagos para reduzir o consumo. Se esse valor de R$ 50,00 a cada 100 kWh é muito ou pouco vai depender do seu hábito de consumo e também do seu custo de oportunidade. Para os clientes da CUBi que sabem exatamente quanto consomem de energia para produzir uma unidade de produção a conta fica mais simples. Se com 100 kWh a indústria produz 10 peças e essa peça tem uma margem de R$ 34,00 por peça, então a comparação aqui é entre R$ 50,00 de desconto a ser recebido em Janeiro de 2022 ou R$ 340,00 de margem no conjunto de produtos que poderá ser potencialmente produzido com 100 kWh e pago em 40 ddl pelo cliente.
Outro exemplo é quando a indústria tem um parque de geradores e que pode usá-los para evitar consumir energia da concessionária nos períodos de horário de ponta durante o dia caso o custo do combustível e de manutenção do gerador faça sentido frente à tarifa de energia e ao bônus oferecido no programa de incentivo à redução de consumo de energia.
Caso você não tenha nenhum sistema de gestão energética, bem, recomendo você a procurar por um. Mas caso queira entender seu custo de oportunidade apenas com informações superficiais você pode dividir o seu consumo mensal em kWh pela soma das horas de operação ou produção total da sua empresa. Assim você terá uma média mensal do seu custo de produção por hora de operação ou unidade produtiva. Depois você consegue continuar essa linha de raciocínio utilizando seu custo de oportunidade.
Em tempo: a ANEEL pode resolver fazer um novo período de apuração, estendendo por um segundo ciclo o programa de incentivo à economia de energia caso a crise energética continue.
Incentivo a economia de energia
Consumo energia no mercado livre de energia (ACL)
O segundo programa de incentivo à economia de energia é voltado para unidades consumidoras bem maiores e que já têm capacidade de contratação da própria energia direto com as geradoras ou agentes agregadores. Para se ter uma ideia, no Brasil todo, apenas 1100 empresas estarão “aptas” a participar deste programa segundo a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE). As diretrizes do programa foram publicadas em um portaria normativa do Ministério de Minas e Energia em 23/08/2021 (acesse na íntegra) e tem características muito mais restritas e úteis ao planejamento de segurança energético do SIN do que o programa voltado ao restante dos consumidores.
Para poder participar o agente deve preencher os requisitos: demanda contratada acima de 500 kW, ser um agregador ou consumidor direto ou ainda um consumidor parcialmente livre, todos devem estar modelados na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) diretamente ou sob varejistas e estarem adimplentes com a CCEE.
As condições para sua oferta ser considerada são: reduções de 4 ou 7 horas em horários pré-determinados pelo ONS (veja figura abaixo), sendo que a oferta mínima é de 5 MW em cada hora durante todo processo. Outras orientações mais específicas podem ser encontradas no site da ONS.
Em geral, o conceito que o MME está propondo neste programa é um leilão reverso, ou seja, os agentes do sistema (seja consumidor ou agregador) submetem ofertas que dizem basicamente “Falai ONS, beleza? Eu estou no subsistema aqui de São Paulo, registro/tenho contratado 15 MW médios de demanda entre 14h00 e 20h00 entre segunda e sexta-feira, mas estou disposto a reduzir para 10 MW médios nesse mesmo período no mês de Novembro de 2021 caso você me pague R$ 1.635,00/MW, topa?”. O ONS por sua vez vai receber uma porção de propostas parecidas e vai delimitar uma linha de corte no preço e necessidade de carga para cada região de abastecimento. Essa linha de corte vai considerar tanto o custo de energia da margem de operação disponível quanto também a segurança energética do país como um todo.
incentivo a economia de energia

Claro que aqui eu simplifiquei MUITO a forma com que isso deve acontecer, caso precise de mais detalhes, recomendo visitar o site no ONS, CCEE e o próprio sistema do Sintegra para entender o fluxo do processo padrão.
Porque isso tudo está acontecendo?
É importante saber também a razão pela qual o assunto de segurança e soberania energética está em pauta em todos os veículos de comunicação. Já falamos sobre isso num post sobre o apagão de 2001, porém vale destacar aqui alguns pontos que considero fundamentais para que você, gestor de energia, consiga se preparar e explicar situações como essa que estamos vivendo para sua equipe e para a empresa em geral.
O sistema energético do Brasil é historicamente fundamentado em usinas hidroelétricas e isso é uma característica muito boa. Quer dizer que temos em geral um custo de produção de energia relativamente barato (o que torna nossa energia cara é a carga tributária) e limpo. Porém, nem tudo são flores, depender de água para gerar energia gera dois efeitos adversos. O primeiro é que o risco climatológico acaba sendo refletido diretamente na nossa capacidade de atender a demanda energética. Em um ano sem chuvas, os reservatórios e rios reduzem drasticamente sua capacidade de geração. Como se essa incerteza não fosse suficiente, ainda temos um segundo desafio que é o conflito de interesse entre o uso da água. Quando os reservatórios estão próximos a áreas densamente populadas, o conflito é com o uso humano e quando esses reservatórios estão afastados esse conflito é com a agricultura irrigada (que é muito mais eficiente do que a agricultura não irrigada). Não existem vilões nem mocinhos aqui, todos usos são legítimos, mas as agências reguladoras realmente tem um desafios grande em equalizar essas questões.
Por isso se você quer ser um cidadão consciente, saiba que ao economizar água e evitar o despercidio de alimentos, certamente também contribuímos com a segurança energética do Brasil. Essas coisas estão super conectadas, nunca esqueça!

O que eu quero dizer aqui é: se você quer se preparar ou preparar sua empresa para a próxima crise energética, estude climatologia e saiba no mínimo quais são os ciclos secos que normalmente passamos. Por exemplo, anos de la ninã costumam ser mais secos e quase sempre são anos que pressionam nossa infraestrutura energética. A mensagem final aqui pode ser resumida em: tenham um planejamento plurianual de governança energética, mapeie os riscos e se prepare para esses ciclos de crise energética pois eles são naturais (enquanto nossa matriz energética depender fortemente de hidroelétricas).